Análise histórica da obra duas Fridas

A tela Duas Fridas da pintora Frida Kahlo, foi produzida em 1939, apresenta dois autorretratos da artista com pinceladas de tinta óleo com as dimensões de 1,73 m de altura por 1,73 m de largura. Encontra-se sob guarda no Museu de Arte Moderna na Cidade do México. Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón [1907-1954], conhecida como Frida Kahlo (1907-1954), foi uma pintora mexicana, que estudou desenho e modelagem na Escola Nacional Preparatória do Distrito Federal do México. Podemos analisar, que sua arte é conhecida pelos seus autorretratos, identidade mexicana, temas da cultura popular e do folclore indígena, possuindo cores fortes. Suas obras foram denominadas por André Breton com surrealistas. O que nega a própria pintora, que relata que não pintava sonhos, mas sim sua própria realidade.  

Os Autorretratos começaram a ser produzidos após um acidente aos dezoito anos de Frida em um ônibus. A Pintora feriu-se gravemente e ficou hospitalizada e deitada sozinha por um bom tempo. Seus pais tiveram a ideia de oferecer cavaletes e tintas, além de uma série de espelhos com o intuito de que Frida pudesse se olhar de diversos ângulos. A pintura da artista pode ser vista assim, como processo de busca de si mesmo ao analisar que suas obras retratam em grande parte seus estados emocionais, seu corpo, sua feminilidade, e seus relacionamentos afetivos. Além disso, as obras da artista reflete sua vivência própria, contendo algo quimérico e onírico. Ao contrário dos surrealistas que buscavam representar o inconsciente, a artista retratava suas experiências concretas, reais e dolorosas.

Analisando a obra na imagem 1, a Frida da esquerda com o vestido branco lembra trajes de estilo europeu. A Frida a direita veste um traje que nos remete a cultura mexicana e carrega um retrato na mão que é identificado como cônjuge o pintor Diego Rivera quando era criança. Diego foi o grande amor e tormento na vida da pintora, pode-se refletir que não é por acaso que seu retrato está na mão esquerda de Frida, onde aparece a representação da veia que liga diretamente ao coração.  Acredita-se que a imagem Diego, representa uma espécie de amuleto estando na mesma altura em que a veia rompida com a tesoura cirúrgica que está situada na mão da Frida com os trajes europeus. Em 1939, ano que a tela foi produzida também foi mesmo ano que ela se apresentou divorciando do marido que a traiu diversas vezes, inclusive com sua irmã.

(Imagem 1: Obra duas Fridas)

A obra duas Fridas, também representa que os dois autorretratos em grande escala, demostra a Frida que Diego amava e a que ele não amava.  Sendo as pinturas sua autobiografia, de certa forma. Na citação abaixo podemos analisar de acordo com Gina Khafif Levinzon, o contexto que Frida se encontrava na época que pintou a tela envolto por uma questão cultural com seu país e um processo de divórcio.

“[...] podemos ver as duas representações de si mesma se darem as mãos, talvez expressando seu desejo de construir uma ponte entre as diferenças que sentia existirem em torno de sua identidade cultural e afetiva. A Frida índia à direita tem um coração intacto, cheio, e que bomba sangue. A Frida “colonial europeia” à esquerda é incapaz de deter a hemorragia de seu coração. Ao pintar esse quadro Frida tentava encontrar uma forma de poder integrar partes de si mesma cindidas, com o objetivo de lidar com a dor. Esse quadro foi criado quando Diego iniciou o processo de divórcio, o que gerou nela muito tumulto e desespero” 

(Disponivel:http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2009000200006)

Analisa-se também na tela, que ambas estão sentadas em banco verde feito de palha. Através de uma artéria as duas estão ligadas por meio de seus corações expostos e com as mãos dadas e olhares para frente encarando seus telespectadores. Observa-se nos corações expostos na pintura que um deles estão com o peito aberto e as cavidades do órgão a mostra. A exposição dos corações evidencia a importância do sentimento na personalidade da artista e uma centralidade do afeto. A tesoura cirúrgica que corta uma veia e a mancha no vestido nos leva a refletir sobre o sangue que suja o tecido branco. A cor que alude ao puritanismo europeu em contraste com as cores vivas apresentadas na postura da Frida do lado esquerdo. A união das mãos demostra que não apenas as veias dos dois corações interligam as duas Fridas. As figuras se dando as mãos reflete uma ligação supostamente emocional simbolizando também a união intelectual das duas personalidades.

O fundo é um céu escuro repleto de nuvens. O que nos permite refletir sobre os sentimentos de Fridas a sensação de estar fragmentada. As representações diferentes da pintora nos levar a refletir sobre a dualidade, os opostos que coexistiam dentro dela, seu próprio país e cultura. É possível perceber pelas nuances do tecido das vestes de Frida suas pernas abertas, acredita-se essa representação invoca a questão da sexualidade. Segundo Eli Bartra e John Mraz [2005], o motivo disso é que Frida explorava muito nos seus traços uma manifestação da sua própria sexualidade.

“A sexualidade de Frida tinha um papel central em sua vida, assim como em sua obra. Há, na maioria de seus quadros, um clima sensual que coexiste ao lado do sofrimento por suas feridas. As referências aos elementos, masculinos e femininos, os corpos desnudos, as imagens sobre concepção, mostram uma atmosfera de vigor e magnetismo.”

(Disponível:https://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000100005)

Segundo Eli Bartra e John Mraz [2005], na citação abaixo podemos analisar a questão do posicionamento das pernas na obra associado ao fator da sexualidade que se encontra em algumas obras da pintora. Além disso, compartilham do mesmo ponto de análise acerca da questão cultural, que foi apontada de acordo com Gina Khafif Levinzon anteriormente.  Apontando assim, ambos autores que há entre o México que é uma fonte da vida e uma Europa que esvai sangue.

“O conjunto mostra claramente as duas sociedades distintas; no entanto esse conjunto não é realmente transcultural se por isso se entende a energia produzida pela interpenetração simbiótica. É necessário levar em conta que o México 'autêntico' está representado como a fonte da vida, enquanto que ao seu lado, em oposição, encontra-se uma Europa puritana que se esvai em sangue. O quadro representa uma metáfora das entrelaçadas histórias de Frida Kahlo, do México e do mundo desenvolvido, uma interpretação visual daquilo que Eduardo Galeano chamaria, muitos anos depois, de Las venas abiertas de América Latina.1 A sexualidade da Frida mexicana se encontra bem enfatizada pelas suas pernas posicionadas mais aberta”

(Disponível:https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000100005)

Segundo Gina Khafif Levinzon [2009], as criações artísticas representam maneiras privilegiadas de expressão do interna do ser, seus diversos tons e matizes emocionais nos levando a refletir sobre as emoções e nuanças comunicadas através do processo criativo. Khafif analisa, e traz questionamentos que a obra de Frida Kahlo denota um encontro da artista consigo mesma. Baseando-se assim, na observação de dados da vida e da obra da pintora. Guilherme Kahlo o pai, teve uma forte influência no desenvolvimento e aptidões artísticas, compartilhando com Frida seu hobby, a pintura. Sendo expressado nos sentimentos e nas outras telas como um objeto bom, acolhedor, e um interlocutor. A imaginação e a pintura são analisadas como janelas da psique da artista, dores físicas e psíquicas. A angústia, medo, solidão e as dores das 39 cirurgias que fez após o acidente são sentimentos narrados em seu diário e obras. No seu diário tem uma parte que encontra-se escrito “a origem das duas Fridas” onde a própria pintora faz menção a uma amiga imaginária. Analisa-se que essa dualidade da obra, faça menção a essa questão, sendo também uma outra possível interpretação.

Ao longo dessa análise histórica, podemos refletir como se interrogar uma obra. De acordo com Ernst H. Gombrich, devemos começar no processo de interpretação de uma obra da arte fazendo as seguintes perguntas: o quê, o porquê e o Como. O que levantamos ao longo desse texto na análise da obra “Duas Fridas”. Além disso, podemos analisar, uma questão que vem sendo bastante atual para o historiador, a reprodução em grande escala das obras de arte. Refletindo sobre as reproduções das obras de Frida, dentre elas também a apresentada nesse trabalho. Podemos analisar, segundo Walter Benjamin [1985], que as obras passam a ser fruto de uma produção coletiva, e não mais de um trabalho individual. Ela perder seu caráter único, sendo um tanto negativo para o trabalho do artista. Quando vemos as obras da Frida em uma bolsa, será que conseguimos imaginar o contexto que foi produzida, quem foi Frida Kahlo, que mensagem a artista queria passar? Essa reproduções em grande escala nos permite isso? Será que a reprodução é idêntica e não sofreu alterações? Até que ponto a reprodutibilidade destrói a obra de arte ou a transforma em outra coisa? São essas umas das questões que podemos refletir, de acordo Walter Benjamin. A obra assim, perde seu sentido único e caráter inovador pelas reprodutibilidade e se reduz ao valor de mercadoria. As caraterísticas individuais consistem no estilo do autor, para compreender os detalhes reveladores, é necessário um olhar bem atento do historiador na sua análise crítica das obras.

Segundo Peter Burke (2004), o testemunho das imagens deve ser refletindo e problematizado, a partir de uma análise crítica desse tipo de fonte. É essencial, levar em consideração o olhar do artista, sobre como ele percebia determinada realidade e o que ele desejava mostrar, ou seja, na imagem não era possível representar o todo completamente. A apesar dessas fontes de imagens e obras ajudarem o trabalho do historiador como evidência, reconstrução e imaginação de uma época, precisamos interrogar elas, analisar seu contexto e ir problematizando essas fontes.  De acordo com o autor, o uso de imagens por historiadores não pode e não deve se limitado à “evidencia”. Dever se deixar um espaço também para o impacto da imagem na imaginação histórica. Sendo essas pinturas, estátuas e publicações passando de geração a geração o conhecimento de culturas passadas. Peter Burke (2004), enfatiza que “em resumo as imagens nos permite “imaginar” o passado de forma mais vivida”. Entretanto, o autor destaca que as imagens são testemunhas mudas, sendo difícil traduzir em palavras seus testemunho. É necessário para estudar essas evidencias de imagens como uma forma segura e eficaz outros tipos de fontes como auxilio. A crítica das fontes de documentos escritos tornou-se essencial na qualificação dos historiadores há muito tempo. Sendo que na fonte visual sua crítica, ainda encontra-se pouco desenvolvida suscitando alguns problemas. Segundo Peter Burke (2004) a era da fotografia de acordo com Walter Benjamim, mudou o caráter da obra de arte. O autor, dialoga com que foi citado nesse texto anteriormente, no sentido que uma única existência é substituída por uma pluralidade de cópias e produzindo assim um deslocamento do “valor cult” da imagem para o seu “valor de exibição”. Murchando assim, nessa reprodução mecânica a aura da obra de arte.

Concluindo, o uso da imagem pode ser usado como evidência histórica, ajudando a analisar costumes, moda de uma época, arquitetura, rituais, por exemplo. Dessa forma, é de fundamental importância, que historiador faça uma análise crítica dessas fontes. As interrogando assim como testemunhas oculares, fazendo também uso de outras fontes escritas como ferramenta do método de crítica das fontes. A análise histórica da obra duas Fridas, buscou, responder as seguintes questões:  O que, quem, quando onde e porquê. As perguntas apontadas, a problematização e a analise crítica são elementos essências no trabalho do historiador em relação a qualquer tipo de fonte. Desse modo, também é importante analisar a obra de arte para além da reprodutibilidade, buscando o contexto da sua produção e o objetivo do artista perante a obra.

Referências bibliográficas

Renata Linhares de Araújo, Graduada em História pela UERJ-Rio. Esse trabalho foi apresentado no grupos de Estudos ARTHS, Coordenado pela professora Beatriz Vieira.

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1806-00132014000200139&script=sci_arttext_plus&tlng=pt acessado 04/12/2020

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2005000100005 04/12/2020

 http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-641X2009000200006 04/12/2020

BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica" in Walter Benjamin (obras escolhidas). Magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense, 1985.

BURKE, Peter. Testemunha ocular. História e imagem. Bauru, Edusc, 2004.

GOMBRICH. H. Sobre A Interpretação da Obra de Arte: O Quê, O Porquê e o Como. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 12, n. 13, p. 11-26, dez. 2005.

DOCUMETÁRIO VIDA E OBRA FRIDA KHALO.  Disponível: https://youtu.be/AZT-kRN2hCM 06/12/2020



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